(Artigo de Opinião)
Autora: Anna Burns
Título Original: Milkman (2018)
ISBN: 978-972-0-03206-5
Nº de páginas: 384
Nº de páginas: 384
Editora: Porto Editora
Sinopse
Nesta cidade sem nome, ser interessante é perigoso. A irmã do meio, protagonista deste romance, empenha-se em evitar que a sua mãe descubra a identidade do namorado e em não dar explicações sobre os encontros com o leiteiro. Mas quando o cunhado um descobre a situação e começa o rumor, a irmã do meio torna-se «interessante». A última coisa que queria ser. Porque, nesta cidade, ser interessante implica que te prestem atenção e isso é perigoso.
Num original misto de inocência e perspicácia, com um estilo único, torrencial e anónimo muito próprio da oralidade, a narradora partilha com o leitor a sua vida, profundamente marcada pela violência física e psicológica.
Milkman, de Anna Burns, é uma comovente história feita de rumores e falatório, de aceitação e resistência, de silêncio e surdez intencional, que decorre no auge dos conflitos entre as duas irlandas e que espelha o que de pior há no ser humano.
Este exemplar foi-me gentilmente cedido pela Porto Editora em troca de uma opinião sincera
Opinião
Começo por agradecer à Porto Editora pelo gentil envio do livro.
Em "Milkman", livro vencedor do The Man Booker Prize 2018, não são referidos nomes - nem de personagens nem de locais -, mas são dadas pistas suficientes para que o leitor deduza que a ação se passa nos anos 70, numa Irlanda do Norte dividida e palco de uma atmosfera de grande tensão política, social e religiosa.
A nossa protagonista é a irmã do meio, uma jovem de 18 anos que gosta de viver nos clássicos da literatura que a acompanham no caminho para casa, que tem "um namorado mais ou menos" - com quem, no entanto, não pensa casar -, e que é suficientemente diferente para ser alvo do apontar de dedo da sociedade.
Quando surge o rumor de que foi vista, em diversas ocasiões, a falar com o "leiteiro", um homem muito mais velho e com ligações a movimentos antigoverno, torna-se o tema das más línguas. E, por mais que seja ela a vítima de assédio e que tente dissipar os boatos criados em torno de si, pois ser o centro das atenções neste tempo é uma coisa perigosa, nem a própria família crê nas suas palavras...
A partir desta premissa, vamos, pela voz da irmã do meio, acompanhando o desenrolar dos acontecimentos desencadeados pelo atear do rastilho de maledicência, naquela que é, ainda que dissimulada, uma luta pela sobrevivência e pela liberdade.
Não nego que, inicialmente, é um pouco difícil entrar nesta história, que nos é contada num registo muito próprio. Recorrendo ao fluxo de consciência, e num tom muito próximo da oralidade, a protagonista vai-nos falando desta cidade onde reina um clima de tensão e desconfiança, onde o pensamento livre é reprimido, onde as pessoas não são tratadas pelos nomes e os boatos sobre quem foge à norma se propagam e ramificam.
Tudo neste livro implica uma grande atenção por parte do leitor e até alguma capacidade de perserverança. A ação desenrola-se devagar e há múltiplas oscilações no ritmo de leitura: se havia alturas em que avançava bastante, noutras dei por mim a ter de reler várias vezes o mesmo parágrafo para ter a certeza de que tinha percebido tudo, ou simplesmente porque me distraía a meio. Os capítulos grandes, o registo da narrativa - por vezes algo repetitiva -, e a própria estranheza das personagens - com as quais, à exceção da protagonista, é difícil criar uma conexão -, também não ajudam a progressão da leitura, que pode tornar-se algo aborrecida para leitores mais impacientes ou que apreciem um ritmo mais rápido.
Anna Burns tem um estilo de escrita sui generis, que confere à história um carácter quase intemporal. Com uma linguagem manifestamente erudita, traz-nos uma protagonista claramente à frente do seu tempo, apegada à sua identidade e crente no seu direito à liberdade, que se vê involuntariamente embrenhada numa teia de rumores que vão alterar o equilíbrio precário em que vivia.
Não achando que este seja o tipo de livro de que toda a gente gosta, creio que, quem partir para a leitura com uma mente aberta e com um pouco de paciência, vai encontrar em "Milkman" uma história marcante, diferente, por vezes brutal, narrada de forma original e pautada por um humor mordaz e incisivo, e que é um abrir de olhos para uma temática que, infelizmente, permanece atual. Sem dúvida que vale a pena!
Em "Milkman", livro vencedor do The Man Booker Prize 2018, não são referidos nomes - nem de personagens nem de locais -, mas são dadas pistas suficientes para que o leitor deduza que a ação se passa nos anos 70, numa Irlanda do Norte dividida e palco de uma atmosfera de grande tensão política, social e religiosa.
A nossa protagonista é a irmã do meio, uma jovem de 18 anos que gosta de viver nos clássicos da literatura que a acompanham no caminho para casa, que tem "um namorado mais ou menos" - com quem, no entanto, não pensa casar -, e que é suficientemente diferente para ser alvo do apontar de dedo da sociedade.
Quando surge o rumor de que foi vista, em diversas ocasiões, a falar com o "leiteiro", um homem muito mais velho e com ligações a movimentos antigoverno, torna-se o tema das más línguas. E, por mais que seja ela a vítima de assédio e que tente dissipar os boatos criados em torno de si, pois ser o centro das atenções neste tempo é uma coisa perigosa, nem a própria família crê nas suas palavras...
A partir desta premissa, vamos, pela voz da irmã do meio, acompanhando o desenrolar dos acontecimentos desencadeados pelo atear do rastilho de maledicência, naquela que é, ainda que dissimulada, uma luta pela sobrevivência e pela liberdade.
Não nego que, inicialmente, é um pouco difícil entrar nesta história, que nos é contada num registo muito próprio. Recorrendo ao fluxo de consciência, e num tom muito próximo da oralidade, a protagonista vai-nos falando desta cidade onde reina um clima de tensão e desconfiança, onde o pensamento livre é reprimido, onde as pessoas não são tratadas pelos nomes e os boatos sobre quem foge à norma se propagam e ramificam.
Tudo neste livro implica uma grande atenção por parte do leitor e até alguma capacidade de perserverança. A ação desenrola-se devagar e há múltiplas oscilações no ritmo de leitura: se havia alturas em que avançava bastante, noutras dei por mim a ter de reler várias vezes o mesmo parágrafo para ter a certeza de que tinha percebido tudo, ou simplesmente porque me distraía a meio. Os capítulos grandes, o registo da narrativa - por vezes algo repetitiva -, e a própria estranheza das personagens - com as quais, à exceção da protagonista, é difícil criar uma conexão -, também não ajudam a progressão da leitura, que pode tornar-se algo aborrecida para leitores mais impacientes ou que apreciem um ritmo mais rápido.
Anna Burns tem um estilo de escrita sui generis, que confere à história um carácter quase intemporal. Com uma linguagem manifestamente erudita, traz-nos uma protagonista claramente à frente do seu tempo, apegada à sua identidade e crente no seu direito à liberdade, que se vê involuntariamente embrenhada numa teia de rumores que vão alterar o equilíbrio precário em que vivia.
Não achando que este seja o tipo de livro de que toda a gente gosta, creio que, quem partir para a leitura com uma mente aberta e com um pouco de paciência, vai encontrar em "Milkman" uma história marcante, diferente, por vezes brutal, narrada de forma original e pautada por um humor mordaz e incisivo, e que é um abrir de olhos para uma temática que, infelizmente, permanece atual. Sem dúvida que vale a pena!
Música que aconselho para acompanhar a leitura: U2_Sunday Bloody Sunday
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