segunda-feira, 6 de março de 2017

Opinião sobre "Anna e o Homem Andorinha" - Gavriel Savit

Anna e o Homem Andorinha
(Artigo de Opinião)



Autor: Gavriel Savit
Título Original: Anna and the Swallow Man (2017)
Tradução: Ester Cortegano
ISBN: 978-989-665-190-9
Nº de páginas: 224
Editora: Suma de Letras


Sinopse


    Uma história sobre a perda da inocência perante a tragédia. 

   Cracóvia, 1939. Um milhão de soldados marcham e mil cães ladram. Este não é um lugar para crescer. 

    Anna tem apenas sete anos no dia em que o alemães levaram o seu pai, professor de Linguística,, durante a purga de intelectuais na Polónia. Está sozinha quando encontra o Homem-Andorinha, um astuto trapaceiro, alto e estranho, com mais de um ás na manga; um impostor que consegue até que os soldados com quem se cruza só vejam aquilo que ele quer que vejam. 

   O Homem-Andorinha não é o pai de Anna - ela sabe-o bem -, mas também sabe que, como o seu pai, está em perigo e, tambémc omo o seu pai, tem o dom das línguas: fala russo, polaco, alemão iídiche e a linguagem dos pássaros. Quando o misterioso indivíduo consegue que uma bela andorinha lhe pouse na mão para que Anna deixe de chorar, a menina fica encantada. E decide segui-lo até onde ele for. 

   Ao longo da viagem, Anna e o Homem-Andorinha escaparão a bombas e a soldados e também farão amigos. Mas, num mundo louco, tudo pode ser um perigo. Também o Homem-Andorinha.

   Destinado a converter-se num clássico, Anna e o Homem-Andorinha revela as mais duras lições de vida, ao mesmo tempo que celebra as suas mais extraordinárias possibilidades.

Este exemplar foi-me gentilmente cedido pela Suma de Letras em troca de uma opinião sincera

Opinião

      Começo por agradecer à Suma de Letras pelo gentil envio do livro.
     

      "Anna e o Homem Andorinha", livro de estreia de Gavriel Savit, que, tendo como palco o horrível cenário da 2ª Guerra Mundial, com a invasão da Polónia, narra o desenrolar de um conflito bárbaro através de uma menina abandonada e do homem que a guiará por uma terra a ruir.

      Conhecemos Anna Lania, uma criança de sete anos, na manhã em que esta, como muitas outras, vê o seu pai partir e não regressar. Primeiramente ao cuidado de um amigo, Anna, no seu espírito inocente, tenta encontrar múltiplas explicações que justifiquem a ausência do progenitor. Mas a guerra é um tempo de incerteza, e rapidamente Anna se vê sozinha, com fome e com medo.

      Mas como a vida nos tem sempre surpresas reservadas, Anna conhece o Homem Andorinha, uma personagem misteriosa sobre a qual pouco se sabe e que, entre inúmeras outras qualidades, tem a habilidade de comunicar com os pássaros. Começa assim uma aventura perigosa e uma jornada pela subsistência pelos campos, florestas e pântanos de uma Polónia fria e cinzenta, um lugar onde a esperança já não mora. E é o Homem-Andorinha que, de uma forma algo encriptada, vai ensinando a Anna preciosas lições que lhes permitirão manter-se vivos. 

      O tempo passa e Anna vai crescendo e descobrindo mais sobre si própria e sobre o que a rodeia. A perda da inocência que tão bem a caracterizava vai-se dando gradualmente, à medida que chega a consciência dos horrores com que é obrigada a conviver nesta Polónia tomada pela destruição e pela desumanidade.

     O livro é narrado na terceira pessoa, mas vemos a história através dos olhos inocentes de uma criança. O autor dá-nos a possibilidade de experienciarmos um conflito histórico de tamanha dimensão no campo de batalha das pessoas comuns, que se veem sem nada, obrigadas a fugir e que tentam a todo o custo manter-se vivas. Savit relata-nos pormenores em que só uma criança pode reparar, e dá-nos peças soltas que só o leitor pode juntar. E é neste jogo subentendido que vamos depreendendo o panorama geral da obra e as verdades escondidas por detrás das personagens.

     Quando conhecemos Anna, ela ainda é apenas uma menina inocente e bondosa, mas, ainda assim, extremamente inteligente e com um poder de compreensão surpreendente para a sua idade. Vulnerável e exposta a uma guerra que não entende, Anna sente-se perdida e insegura até conhecer o Homem Andorinha, o seu protetor e guia. Começa a nutrir por esta personagem, então, uma fusão de sentimentos de adoração, encanto, deslumbramento, mas também algum receio. Porém, Anna é caracterizada pela evolução e, ao crescer, a aura quase mágica que envolvia o Homem Andorinha vai-se desvanecendo, dando lugar a uma visão mais clara, lúcida e humana.

    O Homem Andorinha é uma personagem que cativa pelo lado misterioso e pelo seu jeito ímpar com as palavras. Percebemos desde início que é uma situação nova e algo desconfortável lidar com Anna e com a sua falta de perceção sobre os acontecimentos que se vivem na época, mas isso não o faz abandoná-la. O que começa por ser uma relação quase simbiótica pela sobrevivência, acaba por tornar-se numa amizade singular, mas certamente única. Numa segunda fase da história, encontramos algumas pistas sobre o passado do Homem Andorinha que quase podem passar despercebidas. Durante a leitura, sentia que nunca conseguia saber tanto quanto desejava sobre esta personagem e sobre as suas intenções, mas depressa percebi que era este seu lado místico que seduzia e prendia a atenção, aguçando ainda mais a avidez com que desvendava a sua história.

    A escrita de Savit é simplesmente especial: as palavras são suaves, doces e bonitas, contrastantes com a sobriedade do tema, mas condizentes com a inocência e a doçura de Anna. O autor aproveita a ingenuidade da protagonista para nos fazer refletir sobre variados e pertinentes temas, cuja complexidade e abordagem vão evoluindo com o avançar da idade.

      Confesso que, mais ou menos a meio da leitura, dei por mim a questionar-me sobre qual o destino que o autor iria oferecer às personagens no final do livro - depois de uma trama intensa feita de constante luta e ameaças -, e a verdade é que, apesar de inicialmente ter ficado algo surpresa, gostei da nota de esperança que fica e da crença num futuro melhor.

      "Anna e o Homem Andorinha" toca pela história que conta e pela forma como a história é contada. Ao contrário do que se poderia esperar tendo em conta o cenário retratado, esta é uma narrativa bela e envolvente, que nos prende a esta menina e que, juntamente com o misterioso Homem-Andorinha, nos faz querer levá-la de mão dada para um lugar seguro e feliz. Diria que, tal como o Homem Andorinha, Gavriel Savit tem um talento natural com as palavras. Este é, sem dúvida, um daqueles livros em que, pelo tanto que nos diz, é impossível descrever em palavras o que nos faz sentir. Recomendo!

 Música que aconselho para acompanhar a leitura: So Cold_Ben Cocks

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